Neste post, o professor João Cezar de Castro Rocha, consultor de Conexões, apresenta os principais pontos do envolvimento da poeta norte-americana Elizabeth Bishop com o Brasil e a literatura brasileira. O motivo é o recente relançamento, nos Estados Unidos, de An Anthology of Twentieth Century Brazilian Poetry, organizada e traduzida por Bishop e Emanuel Brasil, e originalmente publicada em 1972. Da antologia, a Biblioteca do site disponibiliza o índice, com a biografia dos poetas e a relação dos poemas traduzidos.
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As relações de Elizabeth Bishop (1911-1979) com o Brasil são bem conhecidas, envolvendo uma longa permanência no país. No último parágrafo de um livro que mais tarde repudiaria – seu livro sobre o Brasil, escrito para a Biblioteca Mundial, da revista Life –, a poeta assim buscou sintetizar sua experiência:
Qualquer pessoa em visita ao Brasil concordaria que os brasileiros, os cidadãos comuns, são um povo maravilhoso, alegre, gentil, espirituoso e paciente – de uma inacreditável paciência. Vê-los esperar em filas por horas, literalmente por horas, em filas cujo ziguezague, esticado, equivaleria a duas ou três quadras, só para embarcar num ônibus avariado e dirigido da maneira mais imprudente com destino a suas minúsculas casas de subúrbio, onde as ruas provavelmente ainda aguardam conserto e o lixo não foi recolhido, onde talvez esteja até faltando água – ver isso é assombrar-se com tamanha paciência. Outros povos sob provações semelhantes sem dúvida fariam uma revolução por mês. (Elizabeth Bishop. Brazil. New York: Time Incorporated, 1962, p. 148. Tradução de Bluma Waddington Vilar.)
No que diz respeito mais diretamente à literatura brasileira, Bishop esteve à frente de algumas iniciativas para sua difusão em inglês. Por exemplo, ela patrocinou a tradução de The Diary of “Helena Morley” (tradução de Alice Brant, publicado por Farrar, Straus, and Cudahy, em 1957; edição com introdução de Elizabeth Bishop). De igual modo, vale a pena recordar as “Three Stories by Clarice Lispector”, traduzidas para a Kenyon Review (número 26,verão de 1964: páginas 500-511).
Contudo, a iniciativa mais importante foi a organização e parcial tradução de An Anthology of Twentieth Century Brazilian Poetry (organização de Elizabeth Bishop e Emanuel Brasil, publicada em 1972 pela Wesleyan University Press). Uma edição recente comemorou os 25 anos da primeira edição, possibilitando desse modo a circulação dessa importante antologia. Além de promover a edição, Bishop envolveu-se diretamente com a tradução, encarregando-se de traduzir poemas de Manuel Bandeira, Joaquim Cardozo, Carlos Drummond de Andrade, entre outros.
Por exemplo, de Carlos Drummond de Andrade, Bishop traduziu “Poema de sete faces”, dizendo em inglês alguns dos mais conhecidos versos da literatura brasileira:
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
Mais vasto é meu coração.
Na tradução de Elizabeth Bishop:
Universe, vast universe,
iF I had been named Eugene
that would not be what I mean
but it would go into verse
faster.
Universe, vast universe,
my heart is vaster.
Aliás, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto são os poetas com o maior número de poemas na antologia. Porém, no tocante à presença de Drummond na antologia, uma relação especial parece ter unido Bishop ao autor de Alguma poesia. Afinal, a poeta fez questão de traduzir todos os seus 7 poemas incluídos na antologia.
O destaque maior fica por conta da tradução do revolucionário “No meio do caminho”:
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Na tradução de Elizabeth Bishop:
In the middle of the road there was a stone
there was a stone in the middle of the road
there was a stone
in the middle of the road there was a stone.Never should I forget this event
in the life of my fatigued retinas.
Never should I forget that in the middle of the road
there was a stone
there was a stone in the middle of the road
in the middle of the road there was a stone.
É costume considerar a lingual portuguesa uma “pedra no meio do caminho” na difusão internacional da literatura brasileira contemporânea. A afirmação não deixa de ser verdadeira, como, aliás, repetiram muitos dos mapeados do Conexões Itaú Cultural. Por isso mesmo, iniciativas como a de Elizabeth Bishop e Emanuel Brasil devem ser estimuladas. Mais: deveriam servir de inspiração para ações futuras. Afinal, se, “in the middle of the road there was a stone”, nem por isso o poeta deixou de transformar o obstáculo em verso.
Post de João Cezar de Castro Rocha
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