C A P I T O L I N A
em 04/09/2017

Por Nara Vidal

 

Na Inglaterra, vem sendo notícia, livrarias independentes estão fechando as portas, devoradas pelas gigantes Waterstones e Amazon. Nada contra a Waterstones. Eu mesma passeio pelos seus corredores como se tempo fosse um comprimido que eu pudesse sacar da minha bolsa a qualquer momento e recarregar as gotas pingadas dos pontuais relógios ingleses. Também nada tenho contra a Amazon que, aliás, servirá de vitrine para a minha mais recente loucura: uma livraria virtual que venderá livros físicos de literatura brasileira contemporânea no original, ou seja, em português.

 

Além do problema da escassez das livrarias aqui neste país, que me abraçou e no qual sou muito mais feliz que triste, existe a barreira da tradução e da venda dessas traduções. Apesar de, nos últimos anos, Elena Ferrante e Karl Ove Knausgaard terem contribuído enormemente para a aproximação do leitor inglês com a ficção estrangeira, o Reino Unido ainda é um território relativamente isolado, ilhado no que diz respeito à cessão de espaço nas estantes para livros em línguas que não seja a inglesa.

 

São vários os motivos e as desculpas para esse distanciamento. Em vez de me prolongar nesse tópico, acho relevante citar duas das que possivelmente sejam as mais expressivas razões para tamanha birra ou, vá lá, casmurrice em relação ao mundo literário estrangeiro.

 

O mais previsível é também um dos mais determinantes. O mundo parece mesmo falar inglês. Pobre esperanto, não tinha mercado financeiro, bolsa de valores, moeda forte e nem histórico de povoamento, colonização e exploração para preencher a ambição de dominar o mundo. Mas a língua inglesa o fez. O seu mundo dominado inclui as letras, a literatura. Não que isso seja uma vantagem para o próprio inglês. Isolado dentro da própria prosperidade, deixa passar experiências culturais transformadoras para o seu povo.

 

A outra dificuldade em proliferar literatura brasileira, ou qualquer outra estrangeira em sua língua original, é a alienação dessa mesma língua estrangeira e, consequentemente, sua literatura, dentro das escolas britânicas. Novamente, num formato autossuficiente, as escolas usam e abusam de Shakespeare, Byron, Dahl, Lewis Carrol, Beatrix Potter, Austen, Dickens. Sortudas? Sim, claro! Mas por outro lado, as pobres crianças ricas do Reino Unido nunca saberão de Guimarães Rosa, de Machado e de Lobato. Esse treino de distanciamento tem como consequência, mais adiante, essa disparidade entre o que sabem eles de nós e o que sabemos nós deles.

 

A situação é desanimadora. Então, o que se faz? Abre-se uma livraria especializada exatamente em literatura estrangeira na sua versão original, no caso, brasileira. A Capitolina Books, uma espécie de loucura admissível, funcionará a partir de setembro, com festa de inauguração em Londres e tudo mais a que temos direito.

 

No plano de negócios da livraria, o ponto crucial: quem haverá de comprar esses livros aqui na Inglaterra? Eu proponho com esse novo canal de divulgação da nossa arte literária contemporânea uma relação mais estreita com departamentos universitários que se interessam em conhecer o que tem sido produzido neste momento no Brasil. A comunidade de língua portuguesa é vasta e, por isso, heterogênea. Planejo tocá-la de alguma forma, disponibilizando títulos que não cruzariam o oceano porque são produzidos em pequena escala por editoras independentes e pequenas. Gosto de ressaltar que não acredito que a literatura brasileira tenha necessariamente que aportar em terras estrangeiras para se ver reconhecida. Estou na Europa tempo demais para nutrir qualquer devaneio ou deslumbramento em relação ao Velho Continente. O que me motiva são as pontes de ligações com a descoberta que um intercâmbio proporciona.

 

A Capitolina é um projeto pequeno, ínfimo, um grão de areia. A Capitolina é, de fato, dentro da minha casa, no meu escritório cujas paredes vão se colorindo de lombadas belíssimas de rara arte. Não tenho ambição, neste momento, de nem mesmo sonhar com uma livraria física, ainda que eu tenha imaginado estantes e corredores depois de ler o belíssimo Bookshop na escrita elegante de Penelope Fitzgerald (há tradução em português, da Bertrand Brasil, nos sebos). O estoque é bastante limitado, assim como o número de autores. Ainda não tenho estrutura para imaginar exageros ou loucuras que ultrapassem esta atual. Talvez a ambição maior seja a de vender palavras. Sem qualquer pretensão, são as palavras feitas de mundos inteiros e é em cruzar fronteiras que estou interessada. Com pés no chão, em passos curtos, mas com fôlego e com a impressão de que a arte faz a vida, esta vida, valer a pena.

 

Dos autores no nosso catálogo estão Maria Valéria Rezende, Godofredo de Oliveira Neto, Sérgio Tavares, Eugenia Zerbini, Luciana Hidalgo, Ronaldo Cagiano, Manoel Herzog, Jeferson Tenório, Marcelo Maluf, Leonardo Villa-Forte, Clodie Vasli, Lúcia Bettencourt, Katia Gerlach, Rafael Sperling, Márwio Câmara, José Santana Filho, Tadeu Sarmento, Adriane Garcia entre vários outros, inclusive eu mesma que tenho muitos defeitos, entre eles o de querer publicar o que escrevo.

 

O site do Capitolina Books ainda está em construção. Mas tem uma página no Facebook: https://www.facebook.com/capitolinabooks/.

 

Leia entrevista concedida por Nara Vidal ao blog do Conexões Itaú Cultural.

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