Nara Vidal é brasileira e mora em Londres desde 2001. Escritora, autora de dois livros infantis bilíngues e um de contos, A Loucura dos Outros, todos por pequenas editoras. Na capital inglesa, sentiu de perto as dificuldades para conseguir se manter atualizada sobre os lançamentos de literatura brasileira. Capitolina Books é uma iniciativa dela, uma livraria que vende livros brasileiros impressos.
A livraria funciona provisoriamente em sua própria casa e o atendimento aos clientes é on-line, por meio do sistema de e-market da Amazon.uk. Mas seu lançamento será na The Baldwin Gallery, em Londres,no dia 30 de setembro.
A escritora-livreira concedeu uma entrevista ao jornalista e antropólogo Felipe Lindoso, consultor do Conexões Itaú Cultural – leia a seguir. Nara Vidal também produziu um texto especialmente para o blog, leia neste link.
Por que não e-books?
Os e-books foram minha única opção em várias ocasiões para ler literatura brasileira. Morando fora, preciso sempre esperar minha ida ao Brasil para abastecer minha biblioteca. No entanto, sempre tive desejo de ter o livro objeto. Às vezes, lia o e-book e, quando no Brasil, trazia o livro comigo. No meu caso, o objeto livro é mais importante que o e-book, porque além de ter o que tem a versão on-line, a história, gosto do objeto, gosto de colecionar livros. Essa é uma das razões pela qual vou me concentrar em livros físicos. Um outro motivo é que, de fato, muitas editoras, até mesmo as menores e independentes com as quais eu lido, já disponibilizam essa versão remota. Quero proporcionar o prazer de comprar o objeto de arte que é um livro físico. Talvez mais para frente eu mude esse formato, mas por enquanto não estou interessada em vender e-books. E também não acho que sejam o futuro. O futuro já chegou e há espaço para os dois formatos, sendo que o livro continua tendo um apelo irresistível para quem gosta de ler. O e-book e o livro físico parecem habitar harmoniosamente o mundo. Geralmente quem gosta de ler gosta de livros.
Já pensou em conversar com as editoras sobre algum esquema de print on demand? Ou seja, elas mandariam o arquivo e você providenciaria a impressão em pequena escala aí mesmo.
Sim, e é uma ótima saída para repor estoque. Há canais e meios aqui que disponibilizam esse tipo de serviço de forma muito rápida, prática e barata. Depois de testar o formato, se houver demanda e pedidos, sem dúvida é uma saída inteligente para atender pedidos de forma rápida sem recair um custo impraticável no consumidor final, como frete, por exemplo.
Alguns países europeus, particularmente a Alemanha, têm a preocupação de fornecer às bibliotecas públicas livros (infantis, juvenis e adultos) nos idiomas dos principais grupos migratórios que habitam as várias regiões do país. A biblioteca de Frankfurt, por exemplo, tem um acervo razoável (não bom) de literatura portuguesa e mesmo brasileira. Em parte, isso se deveu também ao trabalho desenvolvido por lá pelo Teo Mesquita, que tinha uma ótima livraria lá (a livraria continua, e bem ativa, mas o Teo a vendeu a alguns colaboradores). Os japoneses também, por conta dos decasséguis. Os ingleses têm algum programa semelhante?
Durante o governo conservador de David Cameron, antes da atual e fraca Tereza May, as bibliotecas públicas sofreram cortes profundos de investimento e manutenção. Apesar de achar o Tony Blair um dos políticos mais irresponsáveis da história deste país, o governo dele muito fez pelos espaços públicos de leitura, até mesmo o incremento de equipamentos em bibliotecas, acervos, programas educativos e a viabilização de relativa autonomia às bibliotecas na integração cultural. Há pontos da capital e do país onde a comunidade brasileira é mais forte e, nesses locais, há nas bibliotecas prateleiras destinadas à criação literária em língua portuguesa, especialmente literatura para crianças. A biblioteca pública sempre vai existir por aqui, já que somos um país muito interessado em inclusão e oportunidade de acesso ao conhecimento, especialmente em comunidades mais pobres. Há leis que garantem a execução desses projetos. No entanto, o Reino Unido é feito de países muito ricos e uma considerável parte da sua população tem uma biblioteca em casa. Os livros não são caros e a leitura é um hábito. É também importante dizer que a biblioteca pública não é vista como um local frequentado por comunidades sem poder de compra. Todos frequentam as bibliotecas, especialmente escolas públicas e particulares.
Existem vários milhões de brasileiros morando fora do país, espalhados pelo mundo. Que ações específicas você pensa para atingir especialmente esse grupo que é heterogêneo, é certo, mas que certamente tem uma parcela de seus membros com filhos e que deseja manter essa ligação.
Uma ação que fizemos foi colocar em prática o projeto Canalzinho. No ano passado, propus um evento de literatura para crianças e jovens em língua portuguesa em Londres e em Paris com a participação de vários autores brasileiros que se juntaram à ideia para divulgar e discutir seu trabalho dentro dessas comunidades. Tive o apoio do Centre Culturel du Brésil, em Paris, e da University College London, aqui. Foram dois dias intensos de oficinas, leituras e discussões sobre a importância da preservação do português como língua viva dentro de uma família de imigrantes. Um assunto muito pessoal para mim e o evento foi uma explosão de boa vontade. Um sucesso tão grande que vamos repeti-lo no ano que vem, em Frankfurt, em outubro, na mesma época da feira do livro de lá.
Você recebeu algum apoio da embaixada ou do consulado? Procurou-os? Se recebeu, que tipo?
Sempre procuro a embaixada para qualquer projeto que eu tenha. No Canalzinho, eles se disponibilizaram a um apoio institucional, mas não houve um grande envolvimento deles. Esperava que uma boa divulgação fosse feita, já que o Canalzinho é exatamente o que o consulado e a embaixada propõem. Sei que as condições de apoio lá são precárias e isso não é culpa deles de forma alguma. Com a inauguração da Capitolina Books, acho que estarão mais presentes. Gostaria muito que sim! São um canal fundamental na divulgação cultural brasileira.
Como é esse projeto que você mencionou, o Canalzinho?
O grande objetivo do Canalzinho é proporcionar um encontro rico, interativo e frequente entre escritores e ilustradores com a comunidade de língua portuguesa e que resiste na defesa do português como língua viva em um país estrangeiro.
O Canalzinho é um projeto constante, em movimento. Em razão da grande dificuldade de organizar um evento dessa natureza, resolvi apostar e investir nele a cada dois anos. Dessa forma, garantimos o tempo necessário para respirar e tocar outras ideias e trabalhos sem uma interferência tão imediata. Além disso, o Canalzinho conta com a participação de autores brasileiros e de países de língua portuguesa e a nossa completa falta de recursos reflete a responsabilidade ao convidar participantes. Os autores arcam com todo o gasto de vinda. Quando realizei o evento em Londres, disponibilizei algumas casas de brasileiros para acomodação; mas em Paris, por exemplo, isso já não foi possível. É uma grande lástima que seja assim, que os autores devam pagar para atravessar o oceano e divulgar seus trabalhos. O descaso e o desinteresse no investimento na literatura são evidentes. Ainda assim, quando coincide de conseguir reunir autores e a sempre comprometida comunidade brasileira e de língua portuguesa nos eventos, tudo parece valer a pena. É bom ressaltar que, em Paris, tivemos o apoio fundamental do Centre Culturel du Brésil que ajudou na execução do evento.
Tivemos em Paris e em Londres a participação de um grupo de autores e ilustradores de primeira qualidade. A consequência do Canalzinho foi a divulgação, a compra e as parcerias realizadas entre autores e escolas na Inglaterra, por exemplo. Muitos livros apresentados durante o evento foram estudados e mostrados em escolas que ensinam o português como língua de herança.
Não deixa de ser uma maneira de resistir. O português está vivo. Sua produção literária está rica e acessível por meio de eventos como o Canalzinho. A próxima edição será, como sempre, gratuita e acontece na Alemanha em outubro de 2018. Mais informações nos próximos meses.
Leia também um texto de Nara Vidal sobre a Capitolina, produzido para o blog Conexões Itaú Cultural.
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