Tradução – Por Uma Política da Língua
em 12/12/2008

O escritor manauense Milton Hatoum tem seus livros traduzidos e publicados nos Estados Unidos e na Europa. Mas, ainda assim, o autor de Relatos de um Certo Oriente, Dois Irmãos (ambos vencedores do Prêmio Jabuti de melhor romance) e, mais recentemente, Órfãos do Eldorado tem consciência da dificuldade que a literatura brasileira encontra para se inserir em mercados estrangeiros. Uma dificuldade que, segundo ele, só diminuirá quando houver um investimento em uma “política da língua”.

Hatoum comenta, nesta entrevista, questões ligadas à tradução de sua obra para outros idiomas e à presença da literatura brasileira em outros países.

Você lida diretamente com os tradutores de suas obras?

Sim. Tenho uma correspondência direta com John Gledson, o tradutor do inglês, com a Ellen Watson, que traduziu, também para o inglês, meu primeiro romance [Relatos de um Certo Oriente], com a tradutora italiana, a alemã, a argentina. Nessa correspondência, esclareço dúvidas, muitas delas sobre expressões da Amazônia, por exemplo, que não são conhecidas nem em outras regiões do Brasil. E às vezes esclareço frases mal compreendidas – que podem vir a ser mal traduzidas. O português é muito mais maleável, muito menos retórico e preciso, do ponto de vista da sintaxe e da gramática, do que, digamos, o alemão. O autor brasileiro pode, por exemplo, não usar o pronome pessoal e, assim, o tradutor não sabe quem é o sujeito da frase.

Especificamente no caso da sua obra, o que se perde no processo de tradução para outros idiomas?

Agora mesmo eu li, no jornal inglês The Independent, uma crítica do Cinzas do Norte [lançado recentemente na Inglaterra e na Alemanha], traduzido para o inglês por John Gledson. O resenhista falou uma coisa curiosa: disse que ele gostou muito da tradução do Gledson, mas ele acha que nos meus livros sempre se perde alguma coisa pelas lacunas que existem na própria narrativa, por alguma coisa que não está dito, que está ocultado. Acho que isso aponta para um problema mais geral, da própria linguagem. Não sei se este é um problema que pode ser resolvido com uma boa tradução. A crítica sentiu falta dessas lacunas, o que deu a impressão de algo vago. Mas também não sei se isso é verdade.

Um autor reconhecido internacionalmente deve se preocupar, durante o processo de escrita, com questões ligadas a tradução?

De jeito nenhum. Você não pode escrever um livro pensando na dificuldade da tradução. Isso de fato não é honesto. Não escrevo visando à comercialização ou à tradução do livro. Apenas tive sorte de ser traduzido, por bons profissionais, em vários idiomas. Foi uma surpresa o meu primeiro romance ter sido publicado em outras línguas. E, no caso de Órfãos do Eldorado, há muitos elementos que dificultam o trabalho do tradutor.

O português é um idioma que atrapalha a inserção internacional de um autor?

Sim. Porque é uma língua pouco conhecida, falada e estudada. Há poucos departamentos de português nas universidades americanas, por exemplo.

E você acredita que esse cenário pode mudar em pouco tempo?

Só se houver um investimento em uma política da língua. Uma política cultural que contemple a literatura brasileira. A Espanha tem o Instituto Cervantes, que conta com uma presença muito forte no mundo todo; Portugal tem o Instituto Camões… E eu já falei certa vez que o Brasil merece um Instituto Machado de Assis em algumas capitais da Europa e nos Estados Unidos, para divulgar a literatura clássica brasileira e o trabalho de autores contemporâneos. Isso já começa a ser feito em algumas cidades. Algumas embaixadas já estão fazendo isso.

Você trabalha a sua carreira internacional (participando de debates ou temporadas em universidades estrangeiras, por exemplo)?

Sim. Fui escritor residente em Stanford, Yale, Berkeley, na França, na Espanha; dei aula nos Estados Unidos. Mas hoje não tenho muita paciência para morar fora. Eu me tornei um “viajante imóvel”. Prefiro que os livros viajem por mim, que eles façam o trabalho que eu faria presente de corpo e alma. Já estou cansado de tudo isso. Quero é ler e escrever; e ficar por aqui mesmo, afinal ainda tenho muito o que aprender sobre o Brasil.

Para um escritor brasileiro ter de fato uma presença na Europa ou nos Estados Unidos, ele deve triplicar os esforços. E por isso digo que precisamos de uma política da língua, que torne a literatura brasileira mais presente nesses países.

  1. bela entrevista.
    o Hatoum sempre lúcido e sem afetação.
    vocês marcaram um gol de placa. a temática deste blog é essencial para a literatura brasileira. pena que eu não tive a idéia antes… he he…

    edson cruz

    22.12.2008 | 19:26 edson cruz

Deixe um comentário

*Campos obrigatórios. Seu e-mail nunca será publicado ou compartilhado.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.