O II Congresso da ABRE – Associação de Brasilianistas na Europa acontece em Paris até o próximo sábado, 21 de setembro e a literatura brasileira terá uma pauta de discussões sobre Ditadura militar e legado autoritário em narrativas brasileiras contemporâneas, com apresentações de estudiosos brasileiros e europeus. A série é coordenada pelas professoras Rita Olivieri-Godet e Mireille Garcia e acontecerá na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, núcleo de vários grupos de estudo e cientistas sociais, com destacado prestígio acadêmico.
A ABRE foi fundada em Leiden, na Holanda, em junho de 2017, visando promover o desenvolvimento dos Estudos Brasileiros na Europa e o diálogo entre brasilianistas europeus – e destes com outros parceiros, no Brasil e nas demais partes do mundo. As áreas de estudo apresentadas no evento deste ano abrangem diversos temas, com apresentações individuais e painéis coletivos.
Para os organizadores da pauta de literatura, a crítica e a criação literárias têm refletido sobre a violência das relações autoritárias como uma das marcas da sociedade brasileira. A representação da ditadura militar e do seu legado autoritário originou textos escritos “no calor da hora”, relatos testemunhais e memorialísticos de vítimas da repressão ou, mais recentemente, romances de autores mais jovens, nascidos em torno de 1964, que refletem e transfiguram essa experiência, como observou Eurídice Figueiredo no mapeamento que fez dessa produção (A literatura como arquivo da ditadura brasileira, 2017).
O simpósio coloca em perspectiva narrativas recentes consagradas à memória traumática da ditadura militar, e examina os procedimentos estéticos que desvelam a persistência das marcas do autoritarismo nas relações sociais e políticas, a representação brutal da violência, a hipertrofia do poder policial, a dimensão íntima e subjetiva da história, a experiência do exílio, as tensões entre memória, esquecimento e ocultamento do trauma.
Os encontros acontecem hoje e amanhã (dia 20), na sede da HEESC, no Boulevard Raspail 54. No primeiro dia, a moderadora será a professora Rita Olivieri-Godet, mapeada do Conexões Itaú Cultural, com as seguintes apresentações:
Memória e resistência: o legado dos filhos das ditaduras pela professora Eurídice Figueiredo (UFF/CNPq), que irá tratar do romance A resistência (2015) do escritor Julián Fuks. Filho de pais psicanalistas que deixaram a Argentina durante a ditadura militar, o romance, da era da pós-ficção, corresponde à voz da segunda geração, a dos filhos dos que foram presos ou exilados, que procura entender a trajetória dos pais militantes em outro momento histórico.
A escrita da resiliência em Palavras cruzadas, de Guiomar de Grammont, com a professora Leonor Lourenço de Abreu, da Universidade Católica de Louvain (Bélgica). A apresentação busca discutir a resiliência face ao traumatismo histórico através da leitura de Palavras cruzadas (2015), romance que exuma as sombras e os fantasmas clandestinos da Guerrilha do Araguaia, não só para subtraí-los ao silêncio do esquecimento como para restaurá-los na memória individual e coletiva.
Estilhaços da memória no pântano da história: Noite dentro da noite de J. R. Terron – Rita Olivieri-Godet, autora de vários artigos e coordenadora de coletâneas sobre o assunto, examina como a memória da infância num país sob regime militar alimenta a narrativa de Joca Terron, evocando tanto a ditadura de 1964 como o período que lhe antecede e o que lhe é posterior.
Em 64, um peso delegado: mea culpa e autopunição, a professora Karina Marques (Université de Poitiers) aborda dois romances, o primeiro de Beatriz Bracher, Não falei (2004), e o segundo, Azul Corvo (2014) de Adriana Lisboa. Karina Marques assinala que são obras nas quais os traumas da ditadura militar brasileira emergem não sob a forma convencional do discurso vitimário, mas sob aquela do relato do suposto traidor coletivo: o colaborador do regime e o guerrilheiro desertor, respectivamente.
A narrativa de Luiz Ruffato é o objeto da apresentação da professora Tânia Pellegrini (UFSC/CNPq), que usa seu conceito de “Realismo refratado” para verificar como a série do autor chamada Inferno provisório (2005-2012) representa aspectos da sociedade brasileira contemporânea, como a desigualdade social e a violência crescente, combinadas com a sofisticação tecnológica das comunicações e da indústria cultural, criando, assim, uma forma particular de captar a relação entre os indivíduos e a sociedade.
Na quinta-feira, dia 20, os painéis serão moderados pela Mireille Garcia (ERIMIT / Université Rennes 2).
O primeiro tema, A palavra em exílio: o caso de K., de Bernardo Kucinski é tratado pelo professor Ettore Finazzi-Agrò, Sapienza Universidade de Roma, mapeado do Conexões Itaú Cultural. O trabalho busca demonstrar que parte da literatura brasileira mais recente tem atribuído a si mesma a vontade de testemunhar, através da escrita, as feridas e as marcas sangrentas que a ditadura militar deixou atrás de si e que o novo regime autoritário tenta novamente apagar, repetindo o gesto de rasura do passado feito pela Lei da Anistia.
Sandra Assunção da Université Paris-Nanterre aborda como o romance brasileiro contemporâneo se constitui como um espaço poético contra o esquecimento. A pesquisadora analisa o recente diálogo estabelecido por escritores da segunda geração – como Adriana Lisboa, Guiomar de Grammont e Matheus Leitão – com o documento histórico produzido pela Comissão da Anistia, uma rica fonte para a criação de suas personagens e intrigas.
A ditadura nos romances brasileiros da geração pós-memorial: estratégias literárias e ecos do presente é o tema da apresentação de Ilana Heineberg (Université Bordeaux Montaigne). Ela foca sua análise em romances de escritores que não viveram diretamente o trauma das ditaduras militares brasileira ou argentina, mas o fizeram através de narrativas, geralmente familiares, como é o caso de Tatiana Salem Levy, Paloma Vidal, Julián Fuks, cujos pais viveram o exílio ou a tortura, e também Luciana Hidalgo, como pertencentes a uma geração pós-memorial da ditadura brasileira.
Mireille Garcia, por sua vez, em Estratégias, espaços e memórias da resistência em A noite da espera, de Milton Hatoum, destaca no romance do escritor amazonense, que morou em Brasília, as estratégias de resistência da juventude ativista assim como os espaços de militância na então recente capital brasiliense.
A última apresentação é do professor José Luís Jobim, (UFF/CNPq) que analisa o romance Amores exilados: romance da militância brasileira em Paris, de Godofredo de Oliveira Neto, que trata de relações amorosas em uma comunidade de exilados brasileiros de esquerda em Paris. O pano de fundo para o enredo é a imigração brasileira de ativistas de esquerda para a França, em Paris, no final de 1960 e início de 1970.
por Felipe Lindoso
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