Chika Takeda – tradutora, professora adjunta na Tokyo University of Foreign Studies e mapeada do Conexões Itaú Cultural – lançou em fevereiro desse ano uma versão de Dom Casmurro, em livro impresso e e-book. Essa é a segunda versão que o romance ganha em japonês, a primeira foi lançada em 2002 por Nagisa Ito.
Takeda também já traduziu Memórias Póstumas de Brás Cubas, lançado em 2012. Ambos foram editados pela Kobunsha Classics.
Em entrevista concedida ao Conexões, ela fala sobre o processo de tradução de Dom Casmurro, a recepção de Machado de Assis no Japão e revela o que mais chama sua atenção na obra do autor brasileiro: “a franca descrição do ser humano”.
Confira a entrevista na íntegra:
Do que você, pessoalmente, mais gosta na obra de Machado de Assis e especialmente em Dom Casmurro?
Há muitos pontos mas vou citar dois principais: primeiro, a obra revela muito bem o que é o ser humano, tanto do aspecto bom como do mal. Segundo, o Brasil está bem descrito nela. Eu adoro o Brasil desde quando tinha quinze anos de idade e, descobrir o Brasil significa, para mim, descobrir a mim mesma, porque me mostra que tipo de ser humano sou eu que gosto tanto do Brasil e que sou atraída tanto pela cultura brasileira. Resumindo, gosto muito da obra de Machado, pois ela revela o que sou eu.
Existem semelhanças entre Machado e algum(a) escritor(a) do Japão?
Noto a semelhança com Soseki Natsume, um dos maiores escritores modernos do Japão. Soseki, contemporâneo de Machado, procurou descrever o homem e a sociedade na qual ele viveu. Nessa época, o Japão e o Brasil eram dois países que tanto em termos de integração internacional quanto históricos eram bem semelhantes, ou seja, por centenas de anos tinham uma baixa integração com o mundo. No caso do Brasil as condições impostas pela colonização restringiam as relações somente entre metrópole e colônia, no caso do Japão o Shogunato Tokugawa fechava as portas ao mundo exterior. Posteriormente, os dois países foram “forçados” a buscar esta integração e se engajaram assiduamente em realizar um rápido progresso, desenvolvendo, portanto, um intenso movimento de industrialização e modernização para enfrentar as pressões ocidentais. Assim, o choque que o japonês e o brasileiro sofrereram nesse período era idêntico.
Como Memórias Póstumas foi recebido no Japão e como você espera que seja recebido Dom Casmurro?
As Memórias Póstumas de Brás Cubas ganharam algumas resenhas e, portanto, não teve reação má. Mas parece-me que foram recebidas com uma certa perplexidade. Noto isso, por exemplo, no site do Amazon, onde a maioria das grandes obras, especialmente as clássicas, logo recebem muitos comentários, mas no caso das Memórias Póstumas de Brás Cubas, mesmo quase três anos depois da publicação, nenhum que se refere ao conteúdo da obra. Presumo que isso é porque a obra se baseia numa mentalidade totalmente diferente da dos japoneses e, portanto, muitos leitores, embora possam perceber que têm diante de si uma tremenda obra, não chegam a compreendê-la bem em sua essência. Mas creio que com o tempo será compreendida. Agora, com Dom Casmurro, a barreira é menor. Sua aparência de uma singela história de triângulo amoroso facilita aos leitores a penetração no mundo profundo de Machado de Assis cheio de enigmas e ambiguidade.
Qual dessas duas traduções foi a mais trabalhosa e por quê?
Cada um teve sua diculdade para traduzir. A dificuldade das Memórias Póstumas de Brás Cubas foi do próprio texto cheio de intertextualidades e digressões e que possui um estilo singular, o qual o escritor chamou de “estilo ébrio”. A de Dom Casmurro é achar o meio de preservar a ambiguidade do texto sem quebrar o ritmo e a doçura de um romance de amor.
Você poderia compartilhar comentários de leitores japoneses sobre esses livros?
Li muitos comentários dos leitores que ficaram admirados com a existência de uma obra tão moderna como Memósias Póstumas de Brás Cubas ainda no século XIX.
Quais os seus próximos projetos relacionados à literatura brasileira?
Gostaria de continuar a traduzir as obras de Machado de Assis, e ao mesmo tempo dos escritores contemporâneos.
Quais outros autores brasileiros te despertam interesse?
Agora me interessam traduzir e apresentar para o público japonês Milton Hatoum e Luis Fernando Verissimo. Penso que o humor e o riso são elementos muito esssenciais na cultura brasileira, e que é bom os japoneses aprenderem dos brasileiros.
Confira entrevista em vídeo com a tradutora:
Links relacionados:
Entrevista escrita sobre a tradução de Memórias Póstumas de Brás Cubas em 2013.
Chika Takeda publica ensaio sobre Memórias Póstumas no Japão em 2012.
Entrevista em vídeo com Chika Takeda em 2009, quando veio ao Brasil como professora visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
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