Uma autora consagrada e um jovem com carreira em ascensão. Os escritores Nélida Piñon e Daniel Galera, estiveram no Salão do Livro de Paris para um debate sobre o tema, com mediação da curadora da programação brasileira no evento, Guiomar de Grammont.
Na conversa, compartilharam com o público suas experiências e rituais de escrita. A atividade – encerrada com uma interessante promessa – foi acompanhada pelo professor João Cezar de Castro Rocha, consultor do Conexões Itaú Cultural, que nos envia o relato a seguir:
Memória
Guiomar de Grammont perguntou sobre a importância da memória na construção da obra dos dois autores. Seria possível considerá-la o eixo de seus textos?
Nélida Piñon sugeriu que não se deve entender a memória “como um fenômeno isolado”, pois sempre caminham juntas memória e invenção – configuradas simultaneamente. A autora acrescentou: “a memória não é sintética, tampouco mimética”, mas é parte do processo de escrita, intrinsecamente associada à invenção ficcional.
Daniel Galera, de igual modo, reconheceu que a memória é um dado incontornável na sua literatura, porém, fez questão de ressalvar: “não se trata de um disco rígido”, repertório estável. Pelo contrário, a memória é resultado de um ato criativo, e assim comparece em sua obra.
Piñon desenvolveu a ideia, ampliando essa noção plástica da memória ao problema da identidade. Ora, a ideia tradicional de memória conduz ao perigo do memorialismo, como se, para estruturar visões de mundo, a escrita dependesse da “reconstrução de fatos vividos”. No entanto, recordou, desde a Grécia, a memória é fruto da invenção. Por isso, em sua literatura o ato de recordar não existe sem o correspondente impulso criador.
Estilo
A moderadora prosseguiu, discutindo o estilo dos dois autores. Como Nélida Piñon desenvolveu sua escrita elíptica, que evoca uma linguagem onírica?
A autora afirmou: “escrever é uma maravilha e uma tragédia, pois é uma tarefa muito difícil”. Vale dizer, a aprendizagem da escrita é contínua. No fundo, o autor aprende com a linguagem enquanto escreve, pois cada obra apresenta desafios particulares e, por isso, exige procedimentos únicos.
Daniel Galera concordou, no tocante ao “aspecto pedagógico do estilo”: é o próprio ato de escrever que ajuda o escritor a encontrar sua forma – e, aqui, a redundância é produtiva.
No seu caso, Galera prosseguiu, a assimilação de diversas linguagens – cinema, televisão, música, videogame – é um dado geracional. Afinal, como ressalvou, “o literário deve comportar todas as referências”.
Nélida Piñon apoiou a afirmação, recordando que a literatura “incorpora toda a arqueologia do mundo”; afinal, concluiu, “a literatura nasce do caos e não pode depurar ou expurgar nada da vida”.
A mesa – umas das mais instigantes do Salon du Livre – foi encerrada com uma promessa: Daniel Galera e Nélida Piñon escreveriam, a quatro mãos, o roteiro de uma história em quadrinhos!
Esperemos, pois.
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