Ao final da mais recente edição da Feira do Livro de Frankfurt (encerrada em 18 de outubro), chamou atenção no Brasil o destaque dado pela reportagem da Folha de S.Paulo a uma declaração da agente literária alemã Nicole Witt, de que haveria uma “saturação da literatura brasileira no exterior”.
Convidamos então para comentar a reportagem os consultores do Conexões Itaú Cultural, o antropólogo, jornalista e editor
Felipe Lindoso e o professor
João Cezar de Castro Rocha (também presidente da ABRALIC – Associação Brasileira de Literatura Comparada).
Assim observou João Cezar:
Imaginemos que a excelente agente literária Nicole Witt tenha razão e que, de fato, a literatura brasileira esteja “saturada” no exterior. Ora, trata-se de notícia a ser comemorada! Explico-me: a literatura brasileira somente poderia estar “saturada” se ela tivesse desfrutado uma presença, digamos, mais ou menos hegemônica num passado próximo.
Infelizmente, nunca foi o caso… No fundo, esse tipo de raciocínio reforça as regras do mercado, pois subordina a presença da literatura brasileira no exterior à promoção de eventos-espetáculo, desconsiderando a necessidade de pensar em formas mais sólidas de promoção da cultura brasileira.
Parece mais correto supor que os eventos especialmente dedicados ao Brasil, em feiras literárias de grande prestígio, não produziram um efeito continuado. Mas é sempre assim e não apenas para a literatura brasileira. O cenário só mudará quando surgir uma política cultural de longo prazo, – isto é, efetivamente, uma política cultural, o que nunca tivemos. De imediato, devemos lutar para que se preserve o fundamental programa de apoio à tradução da Biblioteca Nacional. Por fim, já não será a hora de finalmente criar o Instituto Machado de Assis?
A seguir, a análise de Felipe Lindoso:
Nicole Witt é uma agente competente e dedicada em particular aos autores portugueses e brasileiros.
Mas, como toda agente, vive um dia-a-dia que, no final das contas, é só isso mesmo: o dia-a-dia. Quando, como em 1994 (quando o Brasil foi convidado de honra em Frankfurt pela primeiras vez), e depois em 2013 (segunda presença brasileira na feira), verifica-se um crescimento súbito e importante de traduções de autores brasileiros seguido de uma “deflação” dessa presença, Nicole reage tão somente a esse estímulo imediato, e fala (segundo a matéria, diga-se de passagem), em uma suposta “saturação” da presença brasileira no mercado internacional.
E digo “segundo a matéria” porque, francamente, não sei qual a pergunta feita pela correspondente da Folha à agente, e em que contexto isso foi feito. E, simplesmente, não confio na precisão dessa conversa.
E outro dado significativo é o aumento de agentes literários trabalhando autores brasileiros. Nicole Witt teve – e ainda tem – uma grande importância nesse mercado, mas hoje surgem concorrentes que exploram novos mercados e novas associações com agentes de vários países para a colocação da literatura brasileira.
Mas ainda falta muito – e ponha-se muito nisso – para que tenhamos uma política pública consistente e sistemática de apoio ao livro no Brasil que, como consequência disso, expresse também a importância da presença da nossa literatura nessa República Mundial das Letras.
Desse modo, não é à toa que Nicole Witt esteja na expectativa do próximo grande evento, que ela cita. No caso, as Olimpíadas de 2016. Que podem provocar outro influxo, inevitavelmente seguido do refluxo, devido à ainda imensa fragilidade das nossas políticas públicas de apoio do livro, à leitura e à presença da nossa literatura no exterior. Que são fenômenos interligados.

Stand do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt 2013 (Frankfurt Book Fair/Peter Hirth)
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